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Dedé revira a memória para todos os lados, mas desde logo sabe que aquela é a maior tragédia que já aconteceu em sua vida. Já perdera um dente caindo de bicicleta, o desalmado pneu de um carro furara a sua bola de futebol novinha, o cachorro de seu irmão lhe roera o mouse inteirinho do videogame, o seu melhor amigo mudara de escolinha. Mas dentes nascem novamente, a nova bola de couro já está encomendada para o seu aniversário, amigos existem aos montes e o xingão que sua mãe dera no irmão mais velho e no cachorro recompensara qualquer prejuízo.

É definitivo: em seus cinco anos de idade, é mesmo a maior tragédia de que tem memória. Dente, bola, videogame, amigo – tudo ficava para trás, eram perdas que se esgotavam em si mesmas, que podiam ser tranquilamente substituídas.  

Mas esta, não: é mal que permanece. Mais do que isso: é mal que fica dentro dele e irá crescer. Dedé sabe disso, foi bem avisado.

E isto não é o pior. O pior, Dedé já decidiu, é que terá que suportar sozinho a dor e o sofrimento desta tragédia. Não terá como contar à mãe e ao pai, porque não há mesmo o que fazer contra o que lhe aconteceu e a hora é de poupá-los. À avó também não poderia contar: emotiva do jeito que é, e ainda fraca em seu coração gasto, talvez não agüentasse o peso da má novidade. E o irmão mais velho, este menos ainda: insensível, o mais provável é que risse desta funda desgraça em que mergulhara Dedé.

Então o menino está sozinho em sua dor. Apavorado e sem saber o que fazer, mas já sabendo que está sozinho.

Ontem pela manhã, quando comia uma bergamota, descuidou-se e engoliu duas sementes da fruta. Não se deu conta; quando percebeu, já as havia engolido. Duas sementes de uma vez só.

E agora, ele está fadado a que se cumpra o destino, aquelas histórias terríveis que os mais velhos sempre lhe contaram que acontecem a quem engole as sementes das frutas.

Vai aguentar sozinho este desastre, porque não há mesmo o que fazer.

Mas quando os galhos da bergamoteira começarem a sair por suas orelhas, aí talvez tenha que contar para a mãe.

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