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“Ô, gostosa!” – a voz do homem era estentórea, despreocupada, tranqüila, desafiadora: tantas vezes, tantos anos, tantos gritos, tantas provocações sem resposta a haviam deixado assim, sem freio.

Estefânia já estava acostumada a estes gritinhos, assovios, chamados, as cantadas que se pensavam novas mas que tinham décadas de semgracismo. Então passava por elas sem maior reação, tentando fazer com que não existissem, como se o `gostosa” não tivesse sido dito, o assovio não houvesse sido dado. Mas naquele dia, apoderada que estava por uma força que tinha sem saber que tinha, resolveu parar.

“Me chamou de gostosa? Tu me conhece? Te dei meu consentimento?” – perguntou ao homem, as mãos na cintura.

“Não precisa.” – o homem riu – “Tu é gostosa mesmo!”

`E tua filha? Tua irmã?” – perguntou Estefânia, a voz alta, dedo próximo ao nariz do homem (a resposta depois de tantos silêncios, o tempo hibernada, o crescendo, o crescendo) – “Elas também são gostosas? E tu acha que elas gostam quando um abobado chama elas assim na rua?” – ela falava ainda mais alto, as pessoas próximas parando e observando a cena, o homem murchando o peito, um pouco sem graça.

“Não mete a minha irmã nesta conversa!” – ele tentou rugir.

“Mas pensa nela antes de mexer com uma mulher! E não ME mete nesta conversa!” – Estefânia rugiu mais alto. – “Ou tu acha que tem algum direito de ficar me passando cantada barata? Ou que algum marmanjo tem o direito de mexer com tua irmã?”

O homem deu um passo a frente, como se fosse avançar sobre Estefânia, mas ela não retrocedeu, a força de todos os silêncios reunida naquele momento; ao lado, as pessoas próximas pareciam dar-lhe o aval para que fincasse o pé em seu direito de não ser importunada. O homem então desarmou o passo.

“Fica na tua, guriazinha. – ele falou em voz baixa, o som sem som.

“Nem gostosa, nem guriazinha.” – ela respondeu. – “E fica TU na tua.”

E ela se afastou, deixando o homem parado, inerte, sombra no rosto subitamente derrotado. Ao redor, certa vibração muda – ninguém disse nada.

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